ANOMIA
PINTURA CONTEMPORÂNEA
Lícius Bossolan + Martha Werneck
Pequenas Ofélias e Icebergs | MARTHA WERNECK
Centro Cultural Correios Rio
Série exposta entre 09 de agosto a 23 de setembro de 2018,
de terça-feira a domingo, das 12h às 19h
Centro Cultural Correios do Rio de Janeiro.
Rua Visconde de Itaboraí, 20 – Centro/Corredor Cultural.
PEQUENAS OFÉLIAS E ICEBERGS
Textos de Luana Manhães e Martha Werneck
As pinturas de Martha Werneck fazem a fusão de duas imagens-conceito: o corpo das mulheres retratadas pela artista e icebergs, referindo-se ao que constitui o inconsciente e o consciente do indivíduo. Ambos nos dizem sobre o que está visível em oposição ao que está submerso e profundo.
A reflexão perpassa pela resistência e esforço de mulheres que trabalham com a criação artística e relutam em deixar essa potência adormecida. A referência à personagem Ofélia da obra Hamlet, de Shakespeare, aborda o conceito da melancolia como propulsor da descoberta de si, de um renascimento através do suicídio simbólico, que possibilita o encontro com a ideia do que é ser mulher nos âmbitos individual e coletivo.
A famosa afirmação ninguém nasce mulher: torna-se mulher, da escritora Simone de Beauvoir, permanece atual e relevante. Nesse contexto dá-se a busca de Martha Werneck pela identidade de cada uma de suas retratadas, no entendimento de que ser mulher não é um dado natural, mas algo construído culturalmente. Como transpor essas estruturas impostas e perseguir – ou desafiar – a própria condição, apesar da mistificação da sociedade, e identificar sua individualidade não rompendo com questões abrangentes de seu gênero?
Harmonizando a forma com o conteúdo semântico de maneira poética, a artista produz e viabiliza sua comunicação com o observador. Assim, aborda questões que envolvem o feminismo como campo de atuação política da mulher artista e a expressão do que é ser e estar nesse papel de autodefinição e de balizamento da identidade do feminino.
SOBRE OFÉLIA
Ofélia é personagem secundária da obra Hamlet, de Shakespeare. Apaixonada pelo protagonista e não sendo mais correspondida, sente-se solitária com a morte do pai e viagem do irmão. Não mais encontrando conexão com seu mundo, suicida-se lentamente em águas de um rio corrente. Essa grande Ofélia foi pintada no século XIX por artistas como Millais e Waterhouse.
As Ofélias aqui representadas são pequenas partes desse personagem maior, que busca na morte pela água - elemento essencialmente feminino e renovador - a solução para suas angústias.
Pequenas Ofélias são retratos de mulheres reais, representadas com atributos que as conectam ao que realizam na arte e na vida.
São mulheres que nos tocam por sua potência artística muitas vezes abafada pelo contexto a que nós, brasileiras, latinas, estamos submetidas diariamente através de um machismo estruturante e de políticas que desvalorizam a arte e a expressão cultural.
As pinturas aqui exibidas não deixam de ter em si uma crítica ao sistema que aprisiona, que sufoca e que faz com que a mulher artista se afogue em melancolia.
Ofélia poderá, pois, ser para nós o símbolo do suicídio feminino. Ela é realmente uma criatura nascida para morrer na água, encontra aí, como diz Shakespeare, “seu próprio elemento”. A água é o elemento da morte jovem e bela, da morte florida, e nos dramas da vida e da literatura é o elemento da morte sem orgulho nem vingança, do suicídio masoquista. A água é o símbolo profundo, orgânico da mulher que só sabe chorar suas dores e cujos olhos são facilmente “afogados de lágrimas”.
BACHELARD, Gaston. A água e os sonhos. Ensaio Sobre a imaginação da matéria São Paulo: Martins Fontes, 2003, 2ª Edição. p 85.
A pesquisa pictórica para as Ofélias é baseada em estudos que partem da estética Romântica do século XIX, além das investigações técnicas da pintura figurativa contemporânea. Os trabalhos levam em conta sucessivas camadas de veladuras, fundos de imprimação colorida e underpaintings monocromáticos. Sobre isso importa ressaltar a harmonização da forma – construção do espaço, da matéria, equilíbrio das massas, claro-escuro, tom, mancha, linha, cor – e do conteúdo semântico explorados, além da incorporação de objetos ressignificados, que também atuam como suporte.
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FICHA TÉCNICA
Textos por
Martha Werneck
Luana Manhães
Colaboração
Licius Bossolan
Montagem
Martha Werneck
Licius Bossolan
Daniel Werneck
Agradecimentos
Ana Clara Guinle
Ilana Eleá
Daniel Werneck
Beatriz Bukowitz
Alessandra Tolc
Vanessa Tiburski
Luana Manhães
Katharina Welper
Colegas e estudantes do Curso de Pintura da EBA UFRJ
Espaço Cultural Correios